A Ilegalidade do PARR: Quando o Poder de Tributar se Converte em Abuso Estatal

Resumo

O Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), regulamentado pela Portaria PGFN nº 948/2017 e alterado pela Portaria PGFN nº 1.160/2024, tem sido  amplamente utilizado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional como ferramenta de responsabilização de terceiros em créditos inscritos em dívida ativa. O presente artigo apresenta uma análise crítica da constitucionalidade, legalidade e impactos sociais do PARR, apontando os vícios de origem e de aplicação que comprometem garantias fundamentais dos contribuintes.

1. Fundamentos Jurídicos e Expansão do PARR

O PARR foi criado com o objetivo de identificar responsáveis solidários ou subsidiários por créditos tributários, com fundamento no art. 20-D da Lei nº 10.522/2002, regulamentado pela Portaria PGFN nº 948/2017.
Em 2024, a Portaria PGFN nº 1.160 ampliou substancialmente seu escopo, permitindo a responsabilização por supostos ilícitos diversos, mesmo sem demonstração inequívoca de dolo ou de infração legal. Ocorre que tal ampliação não encontra amparo no texto legal original, configurando violação ao princípio da legalidade tributária (art. 97 do CTN) e da reserva legal (art. 150, I, da Constituição Federal). O uso administrativo dessa ferramenta como substituto de lançamentos tributários formais ou de decisões judiciais desvirtua sua finalidade, e promove nítida insegurança jurídica, comprometendo a própria legitimidade da atuação estatal.

2. Supressão de Garantias Constitucionais e Processuais

Ora, a aplicação prática do PARR, especialmente no ambiente administrativo do sistema Regularize, limita de forma objetiva o direito à ampla defesa e ao contraditório, garantidos pelos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. O contribuinte recebe notificações eletrônicas, muitas vezes apenas por edital, com prazo exíguo de 15 dias – diferente dos prazos habituais de 30 (trinta) dias para manifestação contidas no sitio do regularize e da receita federal, e com limitação de arquivos anexos com um tamanho máximo de 5MB.
Tais barreiras técnicas, somadas à ausência de provas mínimas por parte da Administração, tornam o exercício do direito de defesa praticamente ineficaz. A inversão do ônus da prova –  atribuindo ao contribuinte o dever de demonstrar que não incorreu em ilícito – afronta o artigo 373, I, do Código de Processo Civil, além de contradizer o artigo 135, III, do CTN, que exige  demonstração de ato doloso para responsabilização tributária de sócios e administradores.

3. PARR em Execuções Fiscais e Afronta à Súmula 392 do STJ

Outra questão, que mais parece uma aberração jurídica, é a utilização do PARR para modificar Certidões de Dívida Ativa em execuções fiscais já ajuizadas, fato que representa violação direta à  vigente Súmula 392 do STJ, que veda a alteração do sujeito passivo da execução sem novo lançamento.
Essa prática também afronta os artigos 142 e 204 do CTN, pois a modificação de um elemento essencial da obrigação tributária (o sujeito passivo) exige nova constituição formal do crédito.
Além disso, desconsidera-se o procedimento previsto nos artigos 133 a 137 do CPC – o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) –, indispensável para responsabilizar pessoas físicas ou jurídicas em execuções judiciais.
Não se trata apenas de responsabilização patrimonial, mas da imputação de dívida tributária com efeitos pessoais e reputacionais. A violação à legalidade se agrava quando essa imputação  ocorre sem qualquer chancela judicial prévia, em manifesta e estrondosa afronta ao devido processo legal.

4. Conclusão e Propostas de Controle

Assim, o PARR, como atualmente aplicado, converte-se em instrumento de sanção ilegal e indireta, utilizado com fins arrecadatórios e de intimidação ao contribuinte, em evidente desvio de  finalidade. Seu uso massificado, com mais de 300 mil notificações mensais, demonstra que se tornou um mecanismo automatizado de responsabilização, ignorando critérios jurídicos objetivos.
Portanto, é indispensável que sua aplicação seja imediatamente revista à luz da legalidade estrita. A responsabilização de terceiros por dívidas tributárias deve observar o rito judicial adequado e jamais ser imposta por via administrativa e de forma sumária. A sua utilização em execuções fiscais já ajuizadas, especialmente para inclusão direta em CDA, deve ser considerada uma aberração jurídica, ilegal e inconstitucional.

Dessa forma, com este artigo, propõe-se, por fim:

  • A limitação normativa do uso do PARR apenas a casos não judicializados, após comprovada ciência pessoal dos contribuintes ou pretensos responsáveis;
  • A exigência de prova direta de infração ou dolo para qualquer responsabilização;
  • A criação de mecanismos de controle externo sobre os atos da PGFN, para evitar abusos e violações legais;
  • E a suspensão de protestos e restrições patrimoniais até que haja decisão definitiva com contraditório efetivo.

 

Referências
• Constituição Federal de 1988
• Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172/1966)
• Código de Processo Civil – CPC (Lei nº 13.105/2015)
• Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
• Lei nº 10.522/2002
• Lei de Execuções Fiscais – LEF (Lei nº 6.830/1980)
• Portarias PGFN nº 948/2017 e nº 1.160/2024
• Súmula 392 do STJ
• Súmula 435 do STJ